sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Literatura Africana de países de Língua Portuguesa

Professora Tânia Macedo ladeada pelas professoras Perpétua Teles e Maria Soares

O curso Literaturas africanas de Língua Portuguesa:textos e contextos ministrado pela Profª Drª Tânia Macedo(USP), oferecido pela Universidade de Pernambuco-Campus Garanhuns/Faculdade de Formação de professores de Garanhuns(FFPG) proporcionou um relevante acréscimo à formação dos professores da rede pública estadual e da FFPG que dele participaram . O curso foi ministrado nos dias 08 e 09/11/2007 e desenvolveu-se a partir de uma ementa justificada pela lei 10.369 de 10 de janeiro de 2003, com os seguintes conteúdos:


  • A luta de libertação e o surgimento de uma literatura nacional: conflitos e superações;


  • A presença da Literatura brasileira na formação das literaturas africanas de língua portuguesa;


  • A literatura contemporânea dos países africanos de língua portuguesa:principais autores e obras.

    A professora Tânia é autora de vários livros dos quais apresentamos três com as resenhas disponibilizadas pelas editoras abaixo identificadas por seus endereços eletrônicos:

    Literaturas africanas de língua portuguesa
    O universo extraordinário da cultura literária africana



Disponível em: http://www.alamedaeditorial.com.br/marcas-da-diferenca




A reflexão sobre as obras literárias produzidas em língua portuguesa nos países africanos, com grande destaque para o lugar que a literatura ocupa na constituição de sua vida nacional, tem recebido atenção por um número cada vez mais expressivo de estudiosos brasileiros ao longo das últimas décadas. Consagrado depois do II Encontro de Professores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, realizado na Universidade de São Paulo, Marcas da diferença apresenta uma elaborada discussão sobre esse universo extraordinário de questões que as culturas africanas nos trazem.



Neste livro estão reunidos textos que, assinados por muitos dos mais prestigiados estudiosos da matéria, põem em relevo características essenciais da produção de escritores africanos e trazem à discussão problemas relevantes para a compreensão da natureza e da dinâmica das relações culturais que, ao longo dos séculos, se estabeleceram entre o continente africano e o nosso país.

Apresentadas e debatidas na cadeia da oralidade, as propostas do encontro ganham agora a forma da escrita, abrindo-se, sem dúvida, a novas e bem-vindas discussões. Marcas da diferença busca revelar ao leitor a diversidade do fazer literário dos países africanos de língua portuguesa que, felizmente, vem conquistando um espaço cada vez mais expressivo entre nós.


Sobre as autoras:
Rita Chaves é doutora em Letras pela USP, professora de coordenadora de literaturas africanas de língua portuguesa na mesma universidade. É pesquisadora associada do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes. Publicou A formação do romance angolano e Angola e Moçambique: experiência colonial e territórios literários. É co-organizadora de Portanto… Pepetela; Literaturas em movimento: hibridismo cultural e exercício crítico; Brasil/África: como se o mar fosse mentira e de Boaventura Cardoso: a escrita em processo.
  • Tânia Macedo é livre-docente em Letras pela Unesp, é professora nos cursos de graduação e pós-graduação na Universidade de São Paulo. Publicou Angola/Brasil: estudos comparados e Luanda, literatura e cidade. É também co-organizadora de Portanto… Pepetela; Literaturas em movimento: hibridismo cultural e exercício crítico; Brasil/África: como se o mar fosse mentira e de Boaventura Cardoso: a escrita em processo



  • Angola e Brasil” é uma coletânea de estudos comparados que mostra o que existe de Angola em Brasil e de Brasil em Angola, quando o assunto é literatura. Autores como Luandino Vieira, Uanhenga Xito e Mia Couto (de Angola), João Antonio e Guimarães Rosa (Brasil), entre outros, que têm escritos fortemente vinculados à terra natal, são analisados de modo instigante para leitores de todos as fronteiras.

http://www.planetanews.com/produto/L/39951/angola-e-brasil--estudos-comparados-tania-macedo.html



Boaventura Cardoso, a escrita de Angola

http://www.alamedaeditorial.com.br/boaventura-cardoso-a-escrita-em-proc


Um livro,ainda que não se destine a contar uma estória, tem sua trajetória sempre povoada por fatos que acabam por intervir na sua elaboração e na fisionomia que ele apresenta. Este Boaventura Cardoso, a escrita em processo também traz acoplado a suas páginas um conjunto de experiências que, envolvendo o escritor, os colaboradores, os editores e as organizadoras, exprime um pouco a atmosfera que cerca não a produção específica do livro, mas, de certo modo, todo o universo das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, com foco especial no ensino e na pesquisa que em torno delas vai conquistando cada vez mais adeptos. Até o momento são poucas as editoras dispostas a apostar em obras voltadas para a História e o patrimônio cultural acumulado pelos países africanos, apesar dos sinais de mudança que já podemos detectar em nosso quadro geral.

Boaventura Cardoso é um dos escritores angolanos mais lidos na atualidade, sendo a sua obra traduzida em várias línguas. Juntamente com a de Pepetela e a de José Luandino Vieira, a sua produção vem sendo muito estudada pelos pesquisadores brasileiros. A importância de seu lugar no universo literário de língua portuguesa, no entanto, contrasta com a carência de material bibliográfico sobre sua produção, fato que tem proporcionado enormes dificuldades aos que o elegem para objeto de estudo. Em suma, a descoberta de sua narrativa por tantos leitores não se fez acompanhar da sistematização de trabalhos críticos a seu respeito, e isso significa que não há ainda uma bibliografia reunida e publicada em livro que possa apresentar de forma mais completa a sua produção artística, o que poderia auxiliar os estudiosos de sua obra e multiplicar o seu número de leitores.

Nesse sentido, tivemos em conta na preparação do livro a necessidade de despertar entre aqueles que têm seus primeiros contatos com o universo africano um interesse vivo por sua literatura. Acreditamos que Angola com seus escritores pode ser uma bela porta de entrada para o continente, pois, para além da afinidade lingüística, são fortíssimas as ligações que atravessaram séculos impondo sinais inequívocos em nosso modo de ser. Retomar em outros parâmetros os circuitos das viagens entre as duas margens do Oceano Atlântico é urgente e a literatura pode integrar esse movimento.




Durante o curso a professora Tânia Macedo apresentou vários escritores africanos de países de língua portuguesa e algumas de suas obras. Numa declaração de encantamento, descobertas e honra socializo, aqui alguns escritores com exemplos de seus trabalhos.

José João Craveirinha(*1922, lourenço Marques-+2002 Joanesburgo) - Funcionário público, atleta e crônista desportivo, jornalista. Ativista político preso pela PIDE. Após a independência exerce cargos diretivos e de representação de Moçambique como vice administrador da Imprensa Nacional.. Poeta. Contista. Obras publicadas: Xigubo(1964); Conto a um dio de catrame(1966); Karingana Ua Karingana(1974); Cela I(1980);Maria(1988);Harmina e outros contos(1997); Bobalaze da hienas(1997); Contacto e outras crônicas; Obra poetica I(1999); Poemas eróticos(2005)

Autobiografia

“Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Isto por parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai, fiquei José. Aonde? Na Av. Do Zihlahla, entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres.
“Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato.
“A seguir, fui nascendo à medida das circunstâncias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: seu irmão.
“E a partir de cada nascimento, eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terrra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique.
A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe preta.
Nasci ainda outra vez no jornal "O Brado Africano”. No mesmo em que também nasceram Rui de Noronha e Noémia de Sousa.
Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temperado por tudo isso.
Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublimação de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por parte de minha mãe, só resignação.
Uma luta incessante comigo próprio. Autodidata.
Minha grande aventura: ser pai. Depois, eu casado. Mas casado quando quis. E como quis.
Escrever poemas, o meu refúgio, o meu País também. Uma necessidade angustiosa e urgente de ser cidadão desse País, muitas vezes, altas horas a noite.Autobiografia
“Nasci a primeira vez em 28 de Maio de 1922. Isto num domingo. Chamaram-me Sontinho, diminutivo de Sonto. Isto por parte da minha mãe, claro. Por parte do meu pai, fiquei José. Aonde? Na Av. Do Zihlahla, entre o Alto Maé e como quem vai para o Xipamanine. Bairros de quem? Bairros de pobres.
“Nasci a segunda vez quando me fizeram descobrir que era mulato.
“A seguir, fui nascendo à medida das circunstâncias impostas pelos outros. Quando o meu pai foi de vez, tive outro pai: seu irmão.
“E a partir de cada nascimento, eu tinha a felicidade de ver um problema a menos e um dilema a mais. Por isso, muito cedo, a terrra natal em termos de Pátria e de opção. Quando a minha mãe foi de vez, outra mãe: Moçambique.
A opção por causa do meu pai branco e da minha mãe preta.
Nasci ainda outra vez no jornal "O Brado Africano”. No mesmo em que também nasceram Rui de Noronha e Noémia de Sousa.
Muito desporto marcou-me o corpo e o espírito. Esforço, competição, vitória e derrota, sacrifício até à exaustão. Temperado por tudo isso.
Talvez por causa do meu pai, mais agnóstico do que ateu. Talvez por causa do meu pai, encontrando no Amor a sublimação de tudo. Mesmo da Pátria. Ou antes: principalmente da Pátria. Por parte de minha mãe, só resignação.
Uma luta incessante comigo próprio. Autodidata.
Minha grande aventura: ser pai. Depois, eu casado. Mas casado quando quis. E como quis.
Escrever poemas, o meu refúgio, o meu País também. Uma necessidade angustiosa e urgente de ser cidadão desse País, muitas vezes, altas horas a noite.

Prémios

“Prémio Cidade de Lourenço Marques” 1959
“Prémio Reinaldo Ferreira” Centro de Arte e Cultura da Beira 1961
“Prémio de Ensaio” Centro de Arte e Cultura da Beira 1961
“Prémio Alexandre Dáskalos” Casa dos Estudantes do Império, Lisboa, Portugal 1962
“Prémio Nacional de Poesia de Itália” 1975
“Prémio Lotus” Ass. Escritores Afro-Asiáticos 1983
Medalha “Nachingwea” do governo de Moç. 1985
Medalha de Mérito, Secretaria de Estado da Cultura de S. Paulo, Brasil 1987

Prémios
“Prémio Cidade de Lourenço Marques” 1959
“Prémio Reinaldo Ferreira” Centro de Arte e Cultura da Beira 1961
“Prémio de Ensaio” Centro de Arte e Cultura da Beira 1961
“Prémio Alexandre Dáskalos” Casa dos Estudantes do Império, Lisboa, Portugal 1962
“Prémio Nacional de Poesia de Itália” 1975
“Prémio Lotus” Ass. Escritores Afro-Asiáticos 1983
Medalha “Nachingwea” do governo de Moç. 1985
Medalha de Mérito, Secretaria de Estado da Cultura de S. Paulo, Brasil 1987
Prémio Camões, 1991

OBRAS

Quero Ser Tambor

Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!
E eu?... Eu vi os tambores de uma poesia que quer ser transmissão, capaz de se fazer trânsito na luta pelo SER do homem e da mulher negra.

Grito Negro
Eu sou carvão!
E tu arrancas-me brutalmente do chão
e fazes-me tua mina, patrão.
Eu sou carvão! E tu acendes-me, patrão,
para te servir eternamente como força motriz
mas eternamente não, patrão.
Eu sou carvão
e tenho que arder sim;
queimar tudo com a força da minha combustão.
Eu sou carvão;
tenho que arder na exploração
arder até às cinzas da maldição
arder vivo como alcatrão, meu irmão,
até não ser mais a tua mina, patrão.
Eu sou carvão.
Tenho que arder
queimar tudo com o fogo da minha combustão.
Sim!
Eu sou o teu carvão, patrão.

Jucunda bocades
labiada a ferozes
júbilos de lâmina
afiada.
Alva dentadura
antónima do risoàs escâncaras desde a cilada.
Exotismo de povo flagelado
esse atroz formato
da fala.
(Babalaze das Hienas, 1997)

Fábula "Menino gordo comprou um balão e assoprou assoprou com força o balão amarelo. Menino gordo assoprou assoprou assoprou o balão inchou inchou e rebentou! Meninos magros apanharam os restos e fizeram balõezinhos."

"Cresce a semente lentamente debaixo da terra escura.
Cresce a semente enquanto a vida se curva no chicomo e o grande sol de África vem amadurecer tudo com o seu calor enorme de revelação.
Cresce a semente que a povoação plantou curvada e a estrada passa ao lado macadamizada quente e comprida e a semente germina lentamente no matope imperceptível como um caju em maturação.
E a vida curva as suas milhentas mãos geme e chora na sina de plantar nosso suor branco enquanto a estrada passa ao lado aberta e poeirenta até Gaza e mais além camionizada e comprida.
Depois de tanga e capulana a vida espera espiando no céu os agoiros que vão rebentar sobre as campinas de África a povoação toda junta no eucalipto grande nos corações a mamba da ansiedade.
Oh! Dia de colheita vai começar na terra ardente do algodão!"
Suam no trabalho as curvadas bestas
e não são bestas
são homens, Maria!
Corre-se a pontapés os cães na fome dos ossos
e não são cães
são seres humanos,
Maria!
Feras matam velhos, mulheres e crianças
e não são feras,
são homens
e os velhos, as mulheres e as crianças
são os nossos pais
nossas irmãs e nossos filhos,
Maria!
Crias morrem á míngua de pão
vermes na rua estendem a mão a caridade
e nem crias nem vermes são
mas aleijados meninos sem casa, Maria!
Do ódio e da guerra dos homens
das mães e das filhas violadas
das crianças mortas de anemia
e de todos os que apodrecem nos calabouços
cresce no mundo o girassol da esperança
Ah! Maria põe as mãos e reza.
Pelos homens todos
e negros de toda a parte
põe as mãos e reza,
Maria!

Um comentário:

 
Maria Perpétua Teles Monteiro